BAIXADA - Dezessete anos depois da chacina da Baixada, a rotina de violência policial na região não tem nenhum sinal de mudança. Pelo contr...
BAIXADA - Dezessete anos depois da chacina da Baixada, a rotina de violência policial na região não tem nenhum sinal de mudança. Pelo contrário. Segundo o Fórum Grita Baixada, entre 2020 e 2021 houve aumento nos casos de mortes por policiais nas cidades de Duque de Caxias, Japeri, Belford Roxo e São João de Meriti.
Em 2020, 83 pessoas foram mortas por agentes do Estado em Caxias, em 2021 foram 114. Em Japeri, o número praticamente dobrou de um ano pra outro. Foram 26 pessoas assassinadas por agentes públicos em 2020, e 50 em 2021. A análise foi feita com base em dados do Instituto de Segurança Pública. Ainda de acordo com o Fórum Grita Baixada, no ano passado a região teve quase o dobro da taxa de letalidade policial a cada 100 mil habitantes que a capital do estado. Foram 11,21 mortes por 100 mil habitantes na Baixada Fluminense contra 6,76 mortes por policiais a cada 100 mil habitantes na cidade do Rio de Janeiro.
Mas todas essas mortes ocorreram durante a vigência da ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, em que organizações da sociedade civil e grupos de moradores de favelas entraram com uma ação no STF contra a realização de operações policiais durante a pandemia. A determinação da Justiça era de que as ações deveriam acontecer com justificativa de excepcionalidade apenas.
Mãe que perdeu o filho baleado por policiais em São João de Meriti há quase quatro anos, Ilsimar de Jesus, de 45 anos, participou da audiência pública no STF. Ela faz parte da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada e percebe o aumento da letalidade policial no cotidiano de mães que são acolhidas.
— Terminamos o ano passado com muitas mães novas. Teve um aumento durante a ADPF 635. A gente necessita de um plano de redução da letalidade policial. As mães da Baixada clamam por esse plano por vermos muitas mães serem agregadas ao nosso grupo de dor e de perda — afirma.
No dia 17 de julho de 2018, o filho de Ilsimar, Victor Hugo de Jesus Pires, de 17 anos, estava em uma moto com o amigo Vitor Oliveira, de 18, quando foi baleado no peito por policiais militares na Vila São João, em Vilar dos Teles. Os agentes argumentaram que receberam uma denúncia de que um policial estava sendo ameaçado na região e que os jovens não teriam obedecido a ordem de parar.
— Eles foram assassinados por dois policiais. Foram confundidos com bandidos, porque estavam em uma moto e sem capacete. Essa foi a justificativa que os policiais deram. Se acharam no direito de perseguir, atirar e condenar à morte, porque é isso que eles fazem: condenam à morte jovens pelas ruas da Baixada Fluminense — lembra.
Depois da morte do filho, a violência policial bateu à porta de Ilsimar mais uma vez. O filho mais novo dela, hoje com 15 anos, já se deparou com armas de policiais apontadas para ele.
— Meu filho ficou na mira do fuzil de outro policial na porta da minha casa. Por duas vezes ele correu o risco de morrer na porta de casa, e a reação dele foi falar “mãe, eu achei que ia morrer, que não ia ter chance nenhuma como meu irmão não teve”. Isso para uma mãe é um desespero muito grande — desabafa.
Há exatamente 17 anos, um grupo de policiais descontentes com o novo comandante do batalhão, coronel Paulo César Lopes, do 15ºBPM (Caxias), que havia prendido mais de 60 policiais por desvio de conduta, abriram fogo à esmo por diversas ruas de Nova Iguaçu e Queimados matando 29 pessoas. A “Chacina da Baixada”, como ficou conhecida, é até hoje a maior chacina do Estado do Rio de Janeiro. Cinco ex-policiais militares foram condenados, e quatro deles cumprem pena em regime fechado na Cadeia Pública Joaquim Ferreira de Souza, sendo eles José Augusto Moreira Felipe, Julio Cesar Amaral de Paula, Carlos Jorge Carvalho e Marcos Siqueira Costa. Fabiano Gonçalves Lopes não foi condenado pelos homicídios, mas por formação de quadrilha.
Para o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, o aumento das mortes por agentes do Estado na Baixada durante pandemia revela o quanto a política de segurança no estado tem sido “mais do mesmo”. Por determinação do STF, o Governo teve que apresentar um plano de redução da letalidade policial, que é avaliado negativamente por especialistas por não apresentar metas.
— O que aconteceu no Rio de Janeiro durante a ADPF das Favelas praticamente em nada difere de uma política histórica de violência policial no estado. A violência policial é a grande política de segurança pública do Rio de Janeiro. A lógica de funcionamento, a metodologia de trabalho, o modus operandi da polícia em relação às comunidades pobres em nada vem sendo alterado ao longo do tempo — avalia.
Procurada, a Polícia Militar disse que as ações da corporação são pautadas em informações de inteligência e seguem protocolos técnicos e determinações judiciais. A PM disse ainda que vai passar a cumprir o “Plano Estadual de Redução da Letalidade Decorrente de Intervenção Policial” lançado pelo governo. A corporação não esclareceu, contudo, se tem algum planejamento específico para as cidades da Baixada Fluminense apontadas no levantamento, nem qual a justificativa para o aumento de mortes por agentes do Estado na região.
A Polícia Civil disse que a investigação sobre as mortes de Victor Hugo e Vitor Oliveira está em andamento na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense.
Via: Jornal Extra
COMENTÁRIOS